terça-feira, 27 de março de 2012

Fotodialogando......


Quando às vezes, imersa na minha solidão, observo a luz que adentra suavemente pela janela do meu  quarto, acompanhada pelo vento, a minha mente, sem controle, recua e cria imagens, ou melhor, recria as imagens da minha juventude que estão gravadas e esculpidas  na minha memória. Me recordo, então, com muito carinho, que depois do almoço, meu pai reunia sua família para conversar e, nessas ocasiões, eu me aventurava e pedia  permissão para sair com o meu namorado ou para ir  em alguma festinha. Era um momento de muita apreensão!  Eu morava em uma cidade pequena e, como era o costume, não se saia sem a permissão dos pais!


A imagem que me vem a mente, é nítida, e o sentimento também. Essas imagens,  que são atualizadas pela minha memória, eu as revejo, como se elas fossem um aqui, um agora. Como se o passado fosse o presente. Assim, me lembro de Deleuze (1968:137) quando diz: A síntese do tempo constitui o presente no tempo. Não que  o presente seja uma dimensão de tempo. Só o presente existe. A síntese constitui o tempo como presente vivo e  constitui o passado e o futuro como dimensões deste presente.
           
            Penso que a fotografia tem esse poder, de trazer de volta, de evocar um passado. E pensando nisto, me vem à mente o texto da Santaella (1997) no qual ela faz uma distinção, que considero relevante, sobre a imagem: a imagem como representação visual e a imagem como representação mental. Afirma que existem dois domínios de imagens: as representações visuais e as representações mentais. Nas representações visuais,  podemos citar as pinturas, os desenhos, as gravuras, as fotografias, e as imagens cinematográficas, que podem ser televisivas, holográficas e infográficas. As imagens, nesse sentido, são objetos materiais, signos que representam o nosso ambiente visual. Nesse sentido, pensando a fotografia como objeto material,  gosto de me reportar à Teoria do não Objeto de Ferreira Goulard onde afirma: A expressão não-objeto não pretende designar um objeto negativo ou qualquer coisa que seja o oposto dos objetos materiais com propriedades exatamente contrárias desses objetos. O não-objeto não é um antiobjeto mas um objeto especial em que se pretende realizada a síntese de experiências sensoriais e mentais: um corpo transparente ao conhecimento fenomenológico, integralmente perceptível, que se dá à percepção sem deixar resto. Uma pura aparência. Portanto, fico mais tranquila em pensar a fotografia como um não objeto.
          
             O segundo domínio, das representações mentais,  é o domínio do imaterial, das imagens da nossa mente, que podem ser visões, fantasias, imaginações, esquemas, modelos, ou em geral, representações mentais, e eu acrescentaria aqui, a lembrança, por acreditar que ela faz parte do nosso devaneio.
           
          Porém, Santaella também afirma, que esses domínios não existem separadamente, estão inextrincavelmente ligados na sua gênese, donde concluímos, que um alimenta o outro. Pois bem, se formos pensar a fotografia, como um procedimento ou simplesmente, dentro de sua acepção técnica, como a criação de imagens por meio de exposição luminosa, fixando-as em uma superfície sensível, estaria eu, a meu ver,  reduzindo  a dimensão conceitual da fotografia. Mas gosto de pensar a fotografia em seu sentido amplo, lato,  mais como uma representação, ao invés de pensa-la como um procedimento ou um objeto. Gosto de pensar  a fotografia como a atualização imagética de uma memória.

              Bibliografia


Deleuze, Gilles.Diferença e Repetição.Graal, 1962-SP


Gullar, Ferreira. A Teoria do não objeto. 1958 in  http://poars1982.wordpress.com/2008/02/28/teoria-do-nao-objeto-ferreira-gullar/


Santaella, Lucia. Imagem, Cognição, Semiótica, Mídia.Iluminuras,1998-SP.