quarta-feira, 12 de novembro de 2014

As belas fotografias de Ivanir Cozeniosque.



 







Celso Filho

Nos últimos dois anos, a artista paulista Ivanir Cozeniosque explorou cenas da natureza na região da Granja Viana, no interior do Estado.
São 32 fotografias, nas quais ela registra as paisagens refletidas em um lago de lá, como nas imagens acima.








quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Adriana Varejão


Adriana Varejão e a expectativa

Adriana Varejão é a artista que se destaca no cenário da arte contemporânea e suas referências, seus estudos e a prática trouxeram uma bagagem gloriosa, suas obras se destacam pela realidade da vida e faz crítica a sociedade humana.
 
AV 10.png
 
Cabelos encaracolados, olhar singelo, natureza simples, voz confortante, calma, uma beleza singular num corpo esguio, uma mente brilhante e mãos que traduzem ideias que fazem jus ao trabalho de uma nova arte, de assinatura Adriana Varejão.
Arte como natureza prima. Em um dos grandiosos trabalhos de Adriana Varejão, somos envoltos ao barroco e a transcendência dos azulejos que são reavivados como símbolos de uma revolta e ícones de uma manifestação singular e autêntica.
 
AV 6.jpg
 
AV 1.jpg
 
AV 4.jpg
 
Num contraponto reconhecemos as entranhas de uma parede, e isto é particular, vem de sua bagagem, seus estudos e dentre sua pesquisas surge uma obra chocante e arrebatadora.
Uso da expressão força quando somos levados a entender (ou não) o que muita vezes esteve tão aos nossos olhos e sequer paramos para analisar. Esta forma de desmontar e apresentar ao público é enlouquecedor, uma parede pulsava até pouco tempo e seus órgãos não são mais cimento, areia e lajotas, mas sim sangue, fígados e intestinos dispostos a demonstrar que ali poderia haver vida.
 
AV 8.jpg
 
AV 12.jpg
 
Seria vida a expressa tradução quando nos deparamos com uma obra de Adriana Varejão.Vida talvez seja sua legenda. Quando a série POLVO se ergue, ela sobrevive, vem das destrezas de uma sociedade e parte para uma forma relevante para compilação da arte nos séculos, e que surge viva nas pinturas de Adriana.
 
AV POLVO 3.jpg
 
No manifesto com tinta polvo vivemos a expectativa, e encontramos uma trajetória exprimida, pois as referências existem, e numa singularidade vivemos a obra de Adriana Varejão refletidas em rostos caracterizados por uma cultura. Vemos o seu próprio rosto numa paleta de cores mista que revelam em pequena parte o quão grande são as cores e a miscigenação humana.
 
AV POLVO 2.jpg
 
AV POLVO.jpg
 
AV POLVO 5.jpg
 
A poética se mostra atrás das pinturas, nos rostos idênticos de Adriana Varejão. E somos sempre levados a questões que refletem vida e tempo. O tempo separa o branco e se cria as outras cores, o sol, a colonização, as misturas. O tempo machuca as ideologias, e nesse sentido as cerâmicas são marcadas, é como se elas sofressem pela arte e cada fissura contasse-nos um fragmento do tempo.
A representação da técnica se formula através dos estudos que tomam como suporte o tempo. A calmaria de Adriana nos surpreende pela fugacidade de suas obras que nos desperta num sentido analítico e de percepção com o cuidado dos detalhes construídos na trajetória da obra.
 
AV 3.jpg
 
É de relevância que por trás de cada obra existem histórias, o trabalho é duradouro e excede o momento da inspiração, o que nos incomoda de maneira ciente é o fato de que as obras permeiam uma crítica à sociedade como também o próprio conhecimento que se tomou em sua construção.
Adriana Varejão surpreende, pois realça o que há de mais instigante na arte contemporânea, pois não se limita ao fato de simplesmente vivermos, mas sim no fato de que existe uma construção e desconstrução. Rege a obra pela presença humana envolta em suas crenças, valores e como em seu último trabalho, os tons de pele segundo os próprios brasileiros os definem.
 
AV.jpgAdriana Varejão
 
Adriana Varejão nasceu no Rio de Janeiro, Brasil, 1964, onde vive e trabalha. Suas exposições individuais recentes incluem Histórias às margens, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e Museu de Arte Latinoamericana de Buenos Aires; Fondation Cartier pour L’Art Contemporain, Paris; Hara Museum, Tóquio; Centro Cultural Belém, Lisboa, Bildmuseet, Umea, Suécia. Suas exposições coletivas incluem as Bienais de Veneza, São Paulo, e Sidney; Tempo, MoMA, New York; ARS 06, KIASMA, Museum of Contemporary Art, Helsinki; Liverpool Biennial, Liverpool, UK Body and Soul, Guggenhein, New York, entre outras. Seu trabalho está presente em coleções como a Tate Modern em Londres, Salomon R. Guggenheim Museum em New York, Hara Museum, Tóquio, Museum of Contemporary Art, San Diego, Stedelijik Museum, Amsterdam, Museu de Arte Moderna de São Paulo e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; entre outras.
 
 
 
 
 

 

Damien Hirst no Brasil

WHITE CUBE RECEBE PRIMEIRA INDIVIDUAL DE DAMIEN HIRST NO BRASIL

Frieze
"Rio", obra que integra a mostra de Damien Hirst na White Cube paulistana

Um dos fenômenos da arte contemporânea internacional, o britânico Damien Hirst chega em novembro para sua primeira individual no Brasil, com uma série inédita intitulada "Black Scalpel Cityscapes".

As 17 obras inéditas que compõem a mostra foram produzidas especialmente para esta ocasião. Descritas pelo artista como "retratos de cidades vivas", elas apresentam uma variada seleção de instrumentos cirúrgicos agrupados de modo a criar visões aéreas de áreas urbanas.

Nas pinturas, todas em fundo preto, Hirst agrupa bisturis, lâminas, ganchos, limalhas de ferro e alfinetes de segurança para retratar elementos urbanos naturais e artificiais, como estradas, rios e prédios. Cada obra é inspirada em cidades reais, como São Paulo, Rio de Janeiro, Roma, Moscou e Nova York. Ao usar a repetição destes padrões de objetos, Hirst faz uma referência aos procedimentos conhecidos como "ataque cirúrgico", técnica usada em guerra para definir lugares que serão destruídos. Em resumo, a proposta do artista é trazer à tona a ansiedade enraizada da sociedade em relação à vigilância e à digitalização da guerra.

Hirst é um dos mais polêmicos, controversos ? e valorizados ? artistas do cenário contemporâneo. A exposição "Black Scalpel Cityscapes" ocupa a White Cube São Paulo entre 11 de novembro e 31 de janeiro de 2015, com entrada gratuita.

Com informações da White Cube, Veja SP e Estadão.

Fonte:http://www.touchofclass.com.br

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Uma notícia excelente!

tesouros em wynwood


IMG_9072
Wynwood (www.wynwoodmiami.com), em downtown Miami, veio pra desbancar o título de  “cidade das compras”. O consumo aqui não é somente das compras, mas também, das artes. A região, que antes era bastante deteriorada, hoje é um passeio artístico a céu aberto. Há grafismos por toda parte, de diversos estilos, lindos! Um grande número de galerias de arte oferece, além das exposições gratuitas, livros antigos para venda, uma espécie de sebo. Há também restaurantes deliciosos, com grafites por toda parte, é um momento híbrido de degustação com arte.
IMG_9085IMG_9061IMG_9071
IMG_9079
O Brasil também está em Wynwood walls, muito bem representado pelos irmãos Os gêmeos (acima). A arte de rua encanta além dos muros: durante o passeio, as letras no chão te convidam a parar e refletir:
IMG_9078

IMG_9076
Em visita à uma galeria (PanAmericanArt Projects), ao lado de obras de Leon Ferrari (em exposição e à venda), me deparo com uma mesa cheia de livros e revistas antigos também à venda. No meio deles, acho um tesouro: um livro que é uma compilação de textos de uma revista cubana (ISLAS), de 1967. Nela, vários desenhos maravilhosos, a traço, de Matisse, Picasso, Man Ray. Abaixo, destaco uma relação de imagens que possuem uma linguagem direta com a arte de Wynwood. Identificamos a linguagem gráfica dos grafites contemporâneos nos desenhos a traço, na estética letrista e na Op Art.
foto 1 (1)foto 4 (1)foto 3 (1)foto 2foto 2 (1)foto 1foto 3
Vontade não falta de reproduzir o livro todo aqui, belíssimo. A capa, num azul desgastado, apresenta somente uma imagem.
foto 4

Revista ISLAS – Volume IX – número 3
Universidade Central de Las Villas Santa Clara, Cuba.
Responsável pela edição: Samuel Feijóo
Julho a setembro de 1967.

Fonte:
http://entrelinhadesign.wordpress.com/2014/07/16/tesouros-em-wynwood/

O brasileiro Farnese de Andrade

casa de bonecas, casa da dor


O artista brasileiro Farnese de Andrade(1926-1996) dedicou sua vida a concretizar de forma plástica a existência de dor e sofrimento que é imposta a todos os homens sobre a face da Terra. Utilizando, em grande parte de suas obras, bonecas abandonadas e destruídas para representar a fragilidade dos corpos humanos fadados a morte e ao desaparecimento, o artista muitas vezes, numa espécie de transe ritualístico, as mutilava e calcinava lentamente para só depois as inserir em suas caixas e redomas de resina. As bonecas de Farnese dizem muito em sua mudez de corpo aniquilado: o que dizem?



farnese.jpg
“Lamentar uma dor passada, no presente, é criar outra dor e sofrer novamente.” - William Shakespeare
quem poderá negar a miríade de sofrimentos que nos acomete ao longo de uma vida? nos jornais as notícias de guerras distantes, desastres naturais, catástrofes. aqui ao lado, as entranhas das ruas onde pulsam a violência, o abandono, a solidão. ambulâncias que chegam tarde demais, automóveis de aço frio esfacelando ossos sobre o asfalto quente. nos lares as tragédias íntimas em suas várias formas, as doenças silenciosas tomando o organismo palmo a palmo.
há ainda o Tempo. o Tempo é inexorável, é a força imbatível. dinheiro, sorte, circunstâncias da vida: tudo isso pode nos livrar de muitos males. menos do tempo. a bocarra de Cronos é larga demais, seus dentes são afiados, sulcando aos poucos a matéria, deixando suas marcas, rugas, riscos. sua saliva umedece de pó as coisas esquecidas, pó ao qual tudo se voltará na dissolução última. a Esperança, o mal angular da Caixa de Pandora, é a doença do Tempo, é um pôr-se em espera, e esperar é estar dentro do rio movediço das horas que correm, é sentir inteiramente os instantes, é ouvir o barulho que faz o desintegrar-se e reintegrar-se intermitente das coisas minúsculas. e isso dói. e se, para Nietzsche, esquecer é uma saúde, o mais saudável dos homens é aquele que esquece o Tempo, que nega a sua existência, que pode ver o clarão do dia, enxergar na luz, ao contrário de Funes , o personagem de Borges que procura os limites do quarto escuro, para se livrar da sua relação estreitíssima com Mnemósine. somos este corpo marcado por cicatrizes mais ou menos visíveis. todos nós carregamos chagas na alma, feridas sobre a pele. morremos a cada segundo e, no entanto, nada para de brotar para um novo trajeto de dor.
a vida é sofrimento e tem nele a sua natureza. diria isso Buda, Schopenhauer, diria isso Farnese de Andrade . para os três, separados espacialmente e temporalmente, o que só faz reafirmar a genealogia do desencanto , o drama seminal de Hamlet não suscita nenhuma dúvida, é facilmente, sem espaço para qualquer titubeio, respondido. não apregoo aqui qualquer pessimismo, mas sei que me servirá afirmar isso, entender essa afirmação, como a chave para participar do mistério que exsuda os objetos de Farnese de Andrade. e se falo entender, é porque só a compreensão desse olhar pode evitar que se reduza suas criações a esse espírito triste. assim acredito evitar, que num primeiro vislumbre, imaginemos a obra de Farnese como uma espécie sádica de desvalorização plástica da vida. o ponto fulcral da série de objetos de Farnese de Andrade reside justamente no contrário: sua criação se funda sob a égide de um olhar extremamente compassivo .
sc0000aee31.jpg
e se falo aqui de Farnese de Andrade é porque não conheço outro conjunto de obras que se aferre , de forma tão patética , a uma estética da tragicidade. pois que a dor, na obra de Farnese, ganha os contornos de beleza, mas de um tipo de beleza sem paralelos na produção de arte no Brasil. vislumbrar as caixas, gamelas, redomas, oratórios, é desvelar uma poética que nos captura, e afunda lentamente, nas questões de nascimento e morte... de vida enfim. ora, lembremos que dois dos irmãos de Farnese que, antes dele mesmo nascer, foram levados pelas torrentes de uma enchente que banhou aquela idílica Minas Gerais do início do século passado, povoaram como presenças, ainda que fantasmáticas, sua infância através das histórias que sua família contava constantemente. Farnese, portanto, com-viveu com seus irmãos mortos. (ali ainda, ele não sabia que a água voltaria a desempenhar papel preponderante na sua vida) e quando a grande bomba incinera os céus do Japão (violência absurda que marcou profundamente Farnese), ele deve aquela época, ter tido a sua epifania: ali também perdemos tudo. se cada vida que perece é um cosmo que se extingue, cada corpo estraçalhado é um universo em escombros, incontáveis mistérios foram aniquilados para sempre num simples apertar de botão.
dito isto, é pertinente conjecturar que Farnese foi rodeado, e escolheu se rodear, de tragédias. do íntimo ao universal, da perda dos irmãos aos milhares de mortos japoneses, rostos que ele não conheceu, mas que se alastraram, deixaram um rasto pairando no tempo, até chegar o momento de se deixarem cair e recobrir, como um lençol caindo sobre um móvel num cômodo desabitado, sua intensa produção objetal. e nada, desses objetos escolhidos, recolhidos na sua flanerie melancólica, nada nos choca mais, pode nos chocar mais, que a inserção laboriosa de bonecas cuidadosamente calcinadas e mutiladas, que o artista insere nas suas caixas e oratórios. são objetos prenhes de uma alma criada por um tempo perdido no próprio tempo, um tempo que não ocorreu sob o olhar dos homens , até que Farnese as encontrasse e as transfigurasse, um tempo ausente, mas que ainda assim existiu e escoou sobre elas, deixando os lastros acesos e vivos típicos da coisas que se perdem e trazem em seu âmago o indizível, o pacto de silêncio que tudo faz no tempo em que esteve só.
ainda assim as bonecas de Farnese falam. as bonecas mutiladas de Farnese falam. mas o que falam essas bonecas? decerto não falam mais o que falavam quando as crianças, suas antigas donas, lhes emprestavam a voz. mais certeza ainda é afirmar que elas não falam por algum artifício mecânico que dispara frases gravadas. não. não é aí que reside a eloquência destes objetos (caberá ainda chamá-las de objetos?). a voz que emite esses corpos é de uma outra ordem muito mais sinistra e profunda .
sc000042291.jpg
elegendo as bonecas como a representação destes corpos humanos que se esfacelam diante dos vagalhões de violência, natural ou não, do mundo, a obra de Farnese faz emergir todo um imaginário de morbidez excruciante. as bonecas de Farnese não são simulacros, pois se apresentam vivas, ou se apresentaram em algum momento antes da calcificação mortuária que se impõe a elas nas caixas e oratórios. estas bonecas não são metáfora, são metamorfose. penso que, se fossem brinquedos novos, adquiridos em qualquer loja de departamentos, não suscitariam sequer uma fagulha da descarga afetuosa que nos provocam. as bonecas de Farnese, caçadas pelos antiquários, ou em suas andanças de colecionador, possuem uma história própria, uma história indecifrável, porém extremamente palpável em seu peso acumulativo: o tempo vai somando narrativas insondáveis e as aderindo a matéria dos objetos perdidos: se debruçar sobre estas bonecas é comungar com um abismo, de onde se pode ouvir sussurros longínquos emitidos das profundezas. e diante deste chamado temos duas escolhas: fechar os ouvidos ou prestar atenção. para quem presta atenção , os sussurros adquirem cada vez mais volume e se tornam mais nítidos. para quem presta atenção as bonecas de Farnese de Andrade contam sua história. elas nos falam dos dias azuis e amarelos de uma infância aquosa, vítrea. nos falam de relicários, de baús e casas cheirando a tecidos mofados. nos falam sobre armários fechados e gavetas caladas. de risos felizes ou diabólicos, de choros contidos e berrados, de pequeninas mãos as acariciando ou as destruindo malevolamente. nos falam de dias e noites frias, de chuva, do barulho do mar. nos falam das coisas dos homens, mas também de uma solidão tão profunda que nenhum homem jamais poderá senti-la: a solidão dos objetos abandonados, perdidos, imprestáveis. e isso grava profundamente, como numa prensa, uma escrita que é própria do escoar: há marcas inscritas nos objetos de Farnese: grafias do tempo. escrituras inalienáveis, ranhuras, sulcos preenchidos de afeto. o tempo ali não passa através, como a luz na água. o tempo ali vai ficando retido , preso a uma trama de narrativas sobrepostas, um caleidoscópios de vozes, de gestos, de lugares.
farnese1.jpg
se os míticos optogramas pudessem ser utilizados também nas bonecas de Farnese, que sorte de imagens presenciaríamos em seus olhos vidrados? há uma curiosidade logo embaçada por um temor mórbido nesta pergunta, pois inquirí-las nos parece que fazemos perguntas a um cadáver . e se é próprio da imobilidade o sossego, os olhos impassíveis das bonecas de Farnese, no entanto, contrariam essa afirmação: há ali algo que perscruta também quem a olha, um olhar lançado de volta, um olhar inquietante, trespassador mesmo, que parece querer nos dizer de coisas que preferiríamos não conhecer pois eles carregam em si, retinianamente, os padrões indissolúveis de algum desastre íntimo. e é aí que reside a chave pra esta mão dupla: o desastre também nos olha. o que não acontece uma única vez. o desastre vai se repetindo indefinidamente ao longo de uma vida, e nessa repetição vai escavando cada vez mais fundo até se enraizar, como veias, por toda extensão do corpo: um desastre em metástase . sim, estes olhos testemunharam o desastre. não me estranha, portanto, alguns deles terem sido arrancados, como um Édipo autoflagelado. estas órbitas vazias, escuras como grotas, fossas oceânicas, não merecem mais enxergar a luz do mundo, mas se tornam, como na parábola dos oráculos, capazes de dizer, habitadas de escuro, um futuro tão indestrutível, que não se desmanchará. as bonecas cegas de Farnese são vates mutilados preconizando tragédias inteiras, pois que todo vaticínio, para Farnese, é o dizer de uma extinção . se tomamos como certo que morrer é próprio dos trágicos, para Farnese, nascer era dar a luz a um desastre. as bonecas são seres entre estes dois momentos, pois nós, os homens também estamos todos, enquanto estamos, equilibrados entre estes dois pólos.
nascer dói. é melhor não por uma criança no mundo, pois é um ser destinado a ser afligido por infinitas possibilidades de sofrimento. isso afirmava Farnese. e suas bonecas lembram fetos, recém-nascidos destroçados, queimados, ou ainda mais inquietantes, as redomas de poliéster com que Farnese acobertava algumas dessas bonecas, nos fornecem a imediata relação com os frascos de formol onde repousam os restos de um cadáver. nada pode ser mais forte que a imagem de uma criança morta: uma boneca morta é uma criança morta . as bonecas de Farnese reafirmam que nascer já é morrer, que viver é não conseguir, que vir a luz é a primeira dor e o desastre vitalício. o desastre nos retira a voz, por isso nascemos balbuciantes. muitos, numa espécie de mecanismo psíquico de defesa, esquece este desastre-primeiro, por isso não poderemos lembrar nunca o momento de nosso próprio nascimento. o desastre, em seu anseio por não deixar testemunhas, em exterminar seus participantes, encontra um impeditivo nessas bonecas: elas sobrevivem pra contar. ainda que falem do lugar do silêncio, falam, dizem. impregnadas dessa pulsão de morte que as obrigaria a se repetir, se repetir e se repetir, pois o trauma reside fora do tempo, ela se erguem, e em sua assunção de condenadas, afirmam a quem as contempla: isto és tu.
a inserção destas bonecas em antigos oratórios de madeira, algumas acompanhados de santos católicos e símbolos da cristandade, anunciam uma sacralidade, que poderiam ter motivos encontrados nas raízes católico-mineiras de Farnese. mas não há um paraíso de paz esperando estas bonecas: sob o jugo intransigente da metempsicose, a vida que se extingue continua em outras vidas, mantendo a incessante roda de sofrimentos e ascese constantemente a girar: tudo continua sempre.
as bonecas de Farnese tiveram uma infância antes de serem inseridas, como corpos conservados, em seus objetos. crianças já as possuíram, já lhe imbuíram de personalidade e voz. mas as bonecas de Farnese se erguem para além desse ventriloquismo: ali, encaixadas nas assemblagens enigmáticas, elas adquirem voz própria. as bonecas já nasceram e morreram, mas triunfaram sobre as duas formas definitivas de mudez: elas falam uma fala mais ancestral, mais profunda, sobre o que é nascimento e morte, sobre essas duas circunstâncias cuja experiência nos é insondável, portanto indizível. há uma linguagem de dor ali, linguagem eloquente que vai para além da sonoridade verbal, mas que ecoa pelas concavidades ocultas da nossa corporalidade e nos diz de raízes tão fundas e ontológicas que, decifrar uma linguagem dessa espécie, olhar nos olhos das bonecas de Farnese e ali se perder, é comungar com a origem das coisas, mistérios da infância do homem e do mundo, e talvez, no lampejo deste jogo, participar da trama tecida pela natureza inteira.
DSC009761.jpg


Fonte:
 http://lounge.obviousmag.org/no_escuro_alguma_falena/2014/07/casa-de-bonecas-casa-da-dor.html
Follow us: obviousmagazine on Facebook

Anselm Kiefer na Royal Academy de Londres

ApÓs final da Copa do Mundo, jornal inglÊs The Guardian destaca a genialidade alemà tambÉm nas artes

Anselm Kiefer, The Orders of the Night (Die Orden der Nacht), 1996. Exposição do artista é sucesso na Royal Academy de Londres
Logo após a vitória da seleção alemã na Copa do Mundo de Futebol, o colunista Jonathan Jones, do jornal inglês The Guardian, publicou em sua coluna o artigo "Why Germany would win the World Cup of modern art too".

No texto, Jones afirma que o futebol é apenas uma das coisas em que os alemães se sobressaem, citando que a exposição mais formidável desta temporada na Grã Bretanha é a de Anselm Kiefer na Royal Academy. E, comparando os artistas ingleses aos alemães, Jones brinca: "Quem poderia se opor a um time como Kiefer, Gerhard Richter, Joseph Beuys, Sigmar Polke, Max Ernst, Kurt Schwitters e Otto Dix?".

O colunista inglês ameniza o tom e diz que nem mesmo outros países, como a França, seriam páreo para a excelência duradoura da arte alemã, que vem atravessando inúmeros períodos da história da arte com a mesma qualidade.

Por fim, traça um último paralelo com o futebol, dizendo que a Alemanha se dedicou a um futebol bonito e sublime, em detrimento de outras seleções que apelam para o comercial e o estrelismo. E finaliza: "É tempo de reconhecer e aprender com a genialidade alemã".
De fato, a grandeza e a importância da arte alemã são indiscutíveis. Para nós, brasileiros, também fica a reflexão sobre a importância da dedicação, da disciplina e da perseverança ? seja na arte, no esporte ou na vida cotidiana.

Com informações do The Guardian

quarta-feira, 2 de julho de 2014

A Morte de Marat


MARAT ASSASSINÉ
Autor: Jacques-Louis-David-
Ano: 1793
Técnica: Óleo sobre tela
Tamanho: 165cm x 128cm
Movimento Artístico: neoclassicismo
Museu: Musées Royaux des Beaux Arts, Bruxelas, Bélgica


 A Morte de Marat” é uma obra pintada por Jacques-Louis-David no ano de 1793, em homenagem a Jean-Paul Marat, uma das principais figuras políticas da Revolução Francesa de 1789.
Destaques da obra “A Morte de Marat”:
O movimento artístico: “A Morte de Marat” é uma obra neoclássica. O fundo neutro, sem elementos distrativos, o traço preciso e a atenção com a anatomia humana, de aspecto escultórico, são características do período. As pinturas neoclássicas ocupam-se de temas nobres, exaltando virtudes como a coragem e o sacrifício.
A composição: o assunto está pintado na metade inferior do quadro. No alto, há um vazio, equilibrado por um dégradé de cores cujo ponto mais claro está na diagonal oposta ao rosto de Marat. A divisão central em “A Morte de Marat” sugere um horizonte, delimitando terra e céu. É um espaço para o etéreo, para o porvir.
A luz: a luz de “A Morte de Marat” é bastante teatral. Enquanto o caixote, a cabeça e os braços de Marat estão bem iluminados, os detalhes mais sangrentos ficam nas sombras.
Marat: em vida, Marat era um homem radical e impetuoso. Além disso, sofria de uma doença de pele, que deformava suas feições. Mas em “A Morte de Marat”, este é retratado jovem e belo, com uma expressão serena no rosto. Sua posição lembra a “Pietà”, de Michelangelo, em uma deliberada analogia com a iconografia cristã.
Os móveis: a simplicidade dos móveis e utensílios no quadro “A Morte de Marat” revelam um Marat de poucas posses, um homem do povo. O caixote com a dedicatória de David lembra uma lápide.
O assassinato: Marat é retratado neste quadro instantes após o seu assassinato, cometido pela jovem Charlotte Corday. Quase não há sangue em “A Morte de Marat”, apenas algumas gotas e a água da banheira, avermelhada.  David escolhe concentrar a atenção do observador no mártir, e não no crime em si.
A faca: jogada ao chão, a faca é do mesmo tamanho da pena utilizada por Marat. Estes objetos contam a história do crime. Enquanto Charlotte utiliza-se de uma arma, Marat luta com ideias. Ao não incluir a assassina em “A Morte de Marat”, David salienta sua covardia.
Os bilhetes: dois bilhetes aparecem em “A Morte de Marat”. Um está nas mãos de Marat, e é o suposto documento entregue a ele pela assassina, Charlotte. Está escrito: “Basta minha grande infelicidade para dar-me o direito à sua bondade”. No outro bilhete, Marat faz uma doação para uma viúva de guerra. David busca retratar a generosidade de Marat.

Disponível em: http://abstracaocoletiva.com.br/2012/10/26/a-morte-de-marat-analise


/

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Edward Hopper

fonte:
último acesso em 02/02/2014
http://incubadoradeartistas.com/2014/04/02/meditacoes-sobre-hopper/



Morning Sun. Da série "Hopper Meditations" © Richard Tuschman

  

Meditações sobre Hopper


Fotografias e texto de Richard Tuschman
Hopper Meditations” é uma resposta fotográfica pessoal ao trabalho do pintor americano, Edward Hopper. Suas pinturas, com uma grande economia de meios, são capazes de abordar os mistérios e complexidades psicológicas da condição humana.
Posando uma ou duas figuras em cenários humildes e íntimos, ele cria cenas silenciosas, psicológicamente convicentes e com narrativas abertas. Os estados emocionais das personagens, por vezes, parecem vacilar paradoxalmente entre reverência e alienação, ou talvez entre saudade e resignação. Uma iluminação dramática eleva as conotações emocionais, mas qualquer interpretação final é deixada por conta do espectador. Destas qualidades parece Richard Tuschman tentar imbuir em suas próprias imagens.
De maneiras distintas, no entanto, as imagens deste parecem divergir das pinturas de Hopper. O clima geral em seu trabalho é mais sóbrio, e a iluminação é menos crua que a de Hopper. Tuschman busca atingir um efeito talvez mais próximo do chiaroscuro de Rembrandt, um pintor que este admira profundamente. Em seu caso, a iluminação age quase como como mais uma das personagens, não apenas iluminando a forma das figuras, mas também ecoando e evocando suas vidas interiores.
As imagens de Tuschman parecem fazer parte de pequenas peças, com as figuras como atores em peças de apenas uma ou duas personagens. Estas, por sua vez e por aparência, tem suas raízes no passado, algures em meados do século XX de Hopper. Isto argumenta o efeito de sonho e montagem de suas cenas. Os temas evocam, portanto — solidão, alienação, saudade— são atemporais e universais.

fonte: Lens Culture